Velhas e Monstros...


Passei a noite toda acordado. Fiz alguns monstrinhos com massa epóxi; colori outros.

Não sinto mais vontade de escrever...
...porque escrevo tudo do jeito que eu quero; tudo errado; de forma que ninguém possa entender nada...

Prefiro por ora pintar, criar esses monstrinhos; que, apesar de asquerosos, são completamente inofensivos...
...Tanto quanto as velhas apressadas que observei na rua pela manhã...

Aversão ao Belo...

Tudo parece ter parado lá fora
Ouço rádios... portas batendo
Há sol agora
Um sol pálido é verdade
Não sei o que fazer para me manter tranqüilo
Já fumei quase quinze cigarros em menos de duas horas

...Agora me lembro
...Logo será primavera. Temo a beleza dos próximos dias
...Temo as noites calmas de céu límpido; pois não há mais motivos para que eu contemple o belo.

Alucinações

Às vezes tudo escurece...
Desperto então com o aroma de rosas drogadas num vaso...

Às vezes, em meio à escuridão, vejo vultos estáticos...
Que são bem mais suportáveis que as caras disformes, que por vezes surgem e ficam rindo, olhando-me, com as expressões mais enigmáticas que eu já vi...

Amor, Espaço e Tempo...

A noite, a Lua, as estrelas
Tudo é de um significado puramente cientifico, quando se observa o céu, sabendo quão insignificante se é para a pessoa amada...

O tempo parece mais silencioso, e o espaço concreto e inútil...

Evitta

Hoje a pequena Evitta me fez uma visita de surpresa em meu local de trabalho. Estava acompanhada de um garoto tonto e apático. Eu estava super ocupado; sua presença deixou meu chefe com o olhar nublado. Conversamos não sei sobre o que. Depois descemos e fomos até um bar. O café estava horrível. Ficamos ali por apenas uns cinco minutos, e logo ela partiu, acompanhada por seu assistente, num trólebus antigo. Pretendiam ir até o alto de Santana, à procura de um local ermo para fumarem uma ponta.

Não ando pintando; estou sem telas e sem assunto. Também não sei sobre o que escrever.

Assim, voltei à criação dos monstrinhos com Durepóxi.
A “família” aumenta. Pretendo também produzir espécimes vegetais e bichinhos menores; que, segundo penso, serviriam de alimento aos monstros adultos.

In Sônia

O solitário Neal Adams passou em casa esta noite. Estava intranqüilo
Falou-me um pouco sobre os seus problemas. Ironicamente, indiquei-lhe um psiquiatra. Mal sabia ele como eu estava...

Novamente tive insônia. Nem as posições de do-in me ajudaram desta vez.
Também, a falta de chá me deixa muito lúcido e desperto...

Arte e Beatnismo.

Eu sempre me comporto como se fosse o monstro...
Primeiro problema: Como morrer?

Não gosto de pensar antes de escrever; mas sim sobre o que escrevo.
...Neal também deu para escrever.
...É fácil.
Dê-me apenas um bom motivo para que eu crie a “obra prima” que a todos  satisfaça (!)

...Não! A realidade a qual devo estar harmoniosamente ligado não comporta tal “obra”.
Neal é que deve sentir-se verdadeiramente feliz sob o cinzento véu do seu semblante...

Trevas?

As coisas mais loucas ocorrem mesmo ao acaso, ao sol, longe das trevas.
“Trevas” é síntese.

Bom seria ter uma câmera e um microfone. Talvez ajudasse também um aparelho que gravasse minhas reflexões diárias. Estaria assim mais próximo da minha verdadeira arte.


2º Tempo:

Na padaria, debruçado sobre o balcão lateral, o Senhor “X” me pergunta:

“Você acordou agora?”

São 17 horas, e meu rosto ainda está deformado
Trago vidros de tinta nas mãos (amo as cores)

Na velha leiteira amassada, o café ferve
Tudo está trancado em mim. Esqueci de todo mundo
As bolhas que estouram agora
são tambores anunciando um Novo Mundo.

Minha Vida é um Super-8

Os cães ladram, num duelo infernal
Um grilo canta no contratempo do despertador
Ossos estralam no cômodo ao lado
Juka Porcalhão está caído, de bode...
Deve carregar sacos de pedra, ou brasas, em seu universo pré-onírico
Na rua escura, no asfalto frio, um lobo persegue meu espectro

Sou um mortal, um homem milesimal
Pensamos demasiadamente pouco, e nada fazemos

Recordar Rostos

Evitta apareceu. Estava eufórica. Disse que passara a tarde toda tentando enrolar um baseado
Eu estava louco. Pensava absorto sobre um psicólogo residente, que sonhava ser um grande guitarrista

Evitta me cutucava com intenção dúbia. Eu nada sentia. Só dei por mim duas horas mais tarde, quando ela já deveria estar bem longe

Tentei então, em vão, reconstruir em pensamento o seu rosto
Nada. Conseguia no máximo recriar algumas expressões antigas, que tanto haviam me impressionado.

Tudo é Amarelo Como a Velha Que Passa Atrás do Muro

Era um bom tema para uma nova pintura a óleo
O velho gordo e alto, com bigode de camarão, que cruzara comigo à saída da pastelaria, também daria um ótimo monstrinho de Durepóxi...

Arte e Velhice...

O fumo nada me altera...
Algumas horas depois, sinto-me tonto e vazio, como se uma onda tivesse me deixado caído na praia... 
E moscas varejeiras rodeassem meu corpo

Reconstruiria o mundo em menos de sete dias. Não tenho saco...

Às 3 da manhã, um cão afeminado late, em gemidos agudos e eufóricos
O ronco da geladeira me faz lembrar a noite em que Ted Pig e eu dormimos agarrados, embaixo de uma escada suja, junto à casa das máquinas, no último andar de um prédio antigo no bairro do Bixiga, depois de termos sido expulsos de uma festinha de embalo, cheia de gente descolada. Ainda me lembro da cara do zelador nos acordando a vassouradas, às 4 da manhã: “Sumam daqui, seus moleques imundos!” 
Foi assim que tudo começou...

Formas Estranhas Que se Movem

Bate a larica da madrugada. Lembro-me então que deixei um pedaço de pão doce no forno. Sim, há uns dois dias, creio. Abro o papel alumínio, e pego em flagrante algumas formigas magras e nervosas. Instintivamente penso: "Morte aos Intrusos!".

Deixando o doce no lugar, ligo o forno e as estruturas metálicas começam a se aquecer e estralar ...
Sentado em uma cadeira, ao lado do forno, com as pernas cruzadas, fico divagando: morrerão todas? Ou será que alguma mais esperta conseguirá fugir? Teriam as formigas alguma passagem secreta? Uma saída de emergência talvez? Ou entrariam em pânico, e ficariam desesperadas, correndo sem rumo sobre a chapa quente?

Cinco minutos depois, penso se vale a pena gastar tanto gás com quatro ou seis seres minúsculos e desconhecidos (?)
Penso que as Formigas da Terra são burras; mas que deve existir algum planeta do outro lado do Universo onde as formigas imperam...

Razões

Não consigo pensar em determinada pessoa, sem sentir próximo ao nariz o cheiro horrível de Pinho-Sol.. urgh (!) sorry...
Não consigo mentir para mim mesmo. De nada estou convencido
Por isso fujo da mira do olhar de determinada pessoa...

Baratas Caíam do Céu!

como foguetes, como soldados kamikazes, como avassaladoras labaredas de fogo.

Hoje baratas, amanhã ratos, rãs, traças, moscas, formigas (!)
Lá ia eu, penetrando na alma das pessoas com meus monstrinhos de Durepóxi...

Ainda me era difícil escrever.
Com a pele pálida, bambeava um melhoral na palma da mão. Sentia dores nos olhos, e pensava em coisas banais

Aviões Brancos

Vivo da forma mais prazerosa possível  meu cotidiano árido
As folhas secas se perdem em movimentos sinuosos pela rua suja e ensolarada

Que ninguém me ame enquanto assim estiver; porque então percebo como tudo é ocasional e efêmero.

Nuvens Gastas
Visitas rotineiras
Assuntos variados

As nuvens fogem sorrateiramente rente ao azul que rouba ao mar

Evitta não me esquece. Passamos boa parte da manhã sentados em frente ao  portão de casa soltando bolhas de sabão, enquanto Tondácio, um pequeno monstrinho, secava ao sol junto a um pé de ipê

Agora Somos Adultos

A tarde é de chuva
Não chove; como o noivo que não vem
O tempo é inútil; segue por seguir
A menina de óculos amarelos me observa; mostro-lhe a língua, demonstrando a cela vulgar que envolve cada um de nós. Ela me sorri
Bob Dylan canta “You’re big girl now”

Velas

Vi uma autêntica casa de bruxa na Afonso Schimidt!
Kid Bolota, um garoto de 15 anos, passou em casa a fim de uma ponta
Tadeu Junky e os convidados não chegam
Meu espírito se desfaz, pintando na luminosidade de uma lâmpada de 45 watts

Omelete de Aranhas
Ruídos são ruídos

Hey, Neal! Que horas são?
É de madrugada. Ted Pig e Juka Porcalhão se despedem no portão.
O carro está sem freios. Há lua, nuvens silenciosas...

Retornando ao porão, um raio de luz parece me seguir até a porta da sala

- Por que os burros se entendem melhor?
- Porque são burros, ora!
E insetos são insetos...

Dias depois...

Ted bateu o carro num orelhão...
Neal, o velho festeiro, apareceu com uma nova guria completamente bêbada
Juka Porcalhão continua quieto e nervoso.
Continuo insensível ao ato de escrever
Não sei sobre o que escrever, por qual assunto me interessar,
qual estilo usar (?)

Assim,  resta-me mais tempo, e eu converso mais com as pessoas nas ruas; passeio, observo lugares...

Pela manhã (14h30), estive na casa da Magali. Conversamos um pouco sobre Espiritismo e Zen-Budismo. Disse-lhe que me sentia bem, ou, no máximo, indiferente aos maus fluídos
Saí de lá sem rumo...

Estou novamente em casa
Fico em silêncio. Me interessa muito toda parafernália sonora da realidade...
Dela tiro inúmeros personagens...

Meu Deus! Como estou me sentindo (!?)